Vladimir: Então, devemos partir?
Estragon: Sim, vamos.
Eles não se movem.
(Esperando Godot)
Num mundo de volatilidade, incerteza, complexibilidade e ambiguidade, elevadas à potência de um vulcão nesta pandemia, onde o mercado financeiro se interessa muito mais por dados do que por diamantes, petróleo ou vidas, o discurso de que direitos trabalhistas são entrave ao desenvolvimento é espalhado como veneno para quem sonha em lucrar com irresponsabilidade social.
É a fake news mais perigosa, divulgada e defendida por quem acha que se alimenta de dados. O maior operador da bolsa também come, bebe, precisa de cuidados de saúde e segurança, precisa de hospitais e escolas, meios de transporte e nada disso surge num passe de mágica.
A automação vai promover transformações importantes na humanidade em diversos setores e o mundo vai ter de se adaptar, mas a cadeia produtiva ainda é e será a base da economia global enquanto tivermos necessidades primordiais a serem satisfeitas como comer, habitar, descansar e locomover.
Ainda que a inteligência artificial crie uma nova realidade, não chegará para todas as pessoas do planeta, ao mesmo tempo. Havendo trabalho, haverá trabalhadores e trabalhadoras! E onde estiverem, precisam existir com dignidade.
Onde a legislação trabalhista realmente torna os trabalhadores capazes de negociar seus direitos em patamar de igualdade com os empregadores, o desenvolvimento acontece e beneficia toda a sociedade, inclusive o mercado de ilusões.
Quando a classe que vive do trabalho tem o mínimo para uma sobrevivência digna, todo o planeta se beneficia com mais saúde, menos violência, mais educação e felicidade, valor este que só pode ser considerado quando as necessidades básicas da coletividade estão atendidas.
Vivemos num momento muito difícil, com a pandemia do COVID-19 a nos fazer refletir sobre o que realmente importa. Vamos morrer em larga escala por aqui, sem direção governamental e sem vacinas para todos. Como carro abre alas, os trabalhadores são os primeiros a pagarem a conta, cedendo cada vez mais direitos ao ponto de flertarem com a escravidão...tem sido assim por aqui.
Silêncio absoluto sobre uma política justa de impostos. Os ricos cada vez mais ricos e a escravidão moderna avançando. Os direitos trabalhistas sendo destruídos em orgias estimuladas pelo mercado financeiro e realizadas pelos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. O que não acaba por lei, acaba por “jurisprudência consolidada dos tribunais”, nenhuma delas, nos últimos tempos, favorável aos trabalhadores que fazem o nosso alimento, cuidam das nossas feridas e limpam nossos excrementos.
Quanto mais o direito do trabalho definha, mais o país caminha para o abismo. A culpa não é de quem trabalha. Diante disto fica a reflexão: quem é o real entrave ao desenvolvimento no Brasil?
A resposta está no que fizemos na eleição passada, no atual silêncio cúmplice das instituições representativas e ainda em nossa observação passiva da degradação dos direitos fundamentais, tal qual os personagens de Samuel Beckett, à eterna espera de Godot. Há, porém, soluções que dependem do nosso despertar, basta que a gente se mova, na força de uma antiga máxima, sempre válida: trabalhadores do mundo, uni-vos!
Meirivone Ferreira de Aragão