Um dos direitos fundamentais que a Constituição de 1988 assegura – coerentemente com o que estabelecem Pactos Internacionais de que o Brasil é parte – mas que longe esteve sequer de eficácia jurídica plena e mais longe ainda de efetividade social é o direito de greve dos servidores públicos (Art. 37, inciso VII c/c Art. 9º).
Com efeito, a jurisprudência dos tribunais brasileiros e também e principalmente do Supremo Tribunal Federal conduziu ao estágio atual em que, quando uma determinada categoria de servidores públicos deflagra uma greve e o ente público respectivo aciona judicialmente com pedido de declaração de sua ilegalidade ou abusividade, é obtida rapidamente uma decisão em tutela de urgência nesse sentido, com imposição de pesadíssimas multas por descumprimento (além de outras sanções), ainda que os requisitos legais tenham sido rigorosamente cumpridos pela entidade sindical representativa da categoria.
Uma decisão bem recente do STF traz novas expectativas de que se possa reverter, ao menos parcialmente, esse cenário. Trata-se do julgamento, concluído em 11/03/2022, da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4857, em que os dispositivos do Decreto Presidencial nº 7.777, de 24/07/2012, tiveram a sua constitucionalidade
Isso porque o mencionado decreto estabeleceu medidas que deveriam ser adotadas, no âmbito da Administração Pública Federal, para garantia da continuidade das atividades e serviços públicos durante greves, paralisações ou operações de retardamento de procedimentos promovidas por servidores públicos federais. Dentre essas medidas, a promoção de convênios para compartilhamento de execução de atividade ou serviço com Estados, Distrito Federal ou Municípios e a adoção de procedimentos simplificados necessários à manutenção ou realização da atividade ou serviço.
O STF – acertadamente, em nosso entendimento – considerou que essas medidas somente guardam compatibilidade com a Constituição quando aplicadas à garantia da continuidade das atividades e serviços públicos essenciais, tendo em vista que, a serem aplicadas tais medidas para atividades e serviços não essenciais, esvaziada ficará a efetividade do direito constitucional de greve, pois a ausência da prestação dos serviços ocasionada com a greve será anulada pela celebração dos convênios, tornando a greve inócua e fragilizando para não dizer inviabilizando a sua força reivindicatória.
Esse é o ponto fundamental: compreender o direito fundamental de greve dos servidores públicos como, dentre outros objetivos, instrumento legítimo de reivindicação por melhores condições de trabalho e melhorias de patamares remuneratórios – que, em se tratando de servidores públicos, devem ser sempre formalizadas em lei – e, enquanto tal, precisa ter efetividade no sentido de poder forçar o seu empregador, no caso ente público, ao estabelecimento de negociações políticas que possam conduzir ao processo legislativo de atendimento das reivindicações em lei.
Para tanto, a suspensão total ou parcial da prestação de serviços pela categoria de servidores públicos (a greve) precisa ter o alcance de forçar o ente público à negociação – tendo em vista a sua obrigação de prestar o serviço público – e essa negociação não será instaurada efetivamente se a greve puder ser esvaziada por qualquer meio.
Ao reconhecer a greve de servidores públicos como instrumento legítimo de reivindicação e que não deve ter a sua força reivindicatória inviabilizada, o STF dá um passo para, mais adiante, rever a sua draconiana jurisprudência restritiva do direito constitucional social de greve dos servidores públicos e sinalizar essa mudança de orientação para as instâncias judiciais de base, com o que se aventa no horizonte a possibilidade de rumar à efetiva concretização desse direito fundamental.
Maurício Gentil Monteiro.
Foto: Tania Rego/Agencia Brasil