Mesmo após a vigência da Emenda Constitucional nº. 103/19, a Constituição Federal impõe o estabelecimento de critérios diferenciados para o cômputo do tempo de serviço laborado em condições de prejuízo à saúde ou à integridade física, conforme se verifica nos §§ 4° e 4º-C do seu art. 40.
Desde a edição das Emendas Constitucionais 20/98 e 47/05 não havia mais dúvida acerca da efetiva existência do direito constitucional daqueles que laboraram em condições especiais à submissão a requisitos e critérios diferenciados para alcançarem a aposentadoria.
Por meio da edição da Súmula Vinculante nº. 33[1], o STF já havia garantido a concessão de aposentadoria especial com proventos integrais ao servidor público, desde que contasse 25 (vinte e cinco) anos ininterruptos de serviço nocivo à saúde ou integridade física. Porém, inúmeros servidores não contavam com esse período ininterrupto, mas sim com períodos menores, por vezes intercalados, que não podiam ser contados de forma especial por falta de legislação específica, tal como ocorria com o direito à aposentadoria especial.
Entretanto, no Recurso Extraordinário com Repercussão Geral nº. 1.014.286, julgado mais recentemente (em 31/08/2020), houve um avanço do tema. O STF decidiu que é possível a averbação do tempo de serviço prestado por servidores públicos no regime estatutário em condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física e sua conversão em tempo comum, para fins de concessão de aposentadoria/abono de permanência.
No referido RE paradigmático prevaleceu o voto do ministro Edson Fachin no sentido de que não havia impedimento à aplicação, aos servidores públicos, das regras do RGPS para a conversão do período de trabalho em condições nocivas à saúde ou à integridade física em tempo de atividade comum. Assim, o STF reconheceu a aplicação do fator de conversão (1.4 para homens e 1.2 para mulheres) nos períodos laborados em condições de prejuízo à saúde ou à integridade física, ainda que a soma de tais períodos não totalize 25 (vinte e cinco) anos.
Ao permitir a norma constitucional a aposentadoria especial com tempo reduzido de contribuição (25 anos ininterruptos ou incidência do fator de conversão), verifica-se que reconhece os danos impostos a quem laborou em parte ou na integralidade de sua vida contributiva sob condições nocivas, de modo que nesse contexto o fator de conversão do tempo especial em comum opera como preceito de isonomia, equilibrando a compensação pelos riscos impostos.
Desta forma, é possível aos servidores públicos converterem quaisquer períodos que tenham trabalhado em condições prejudiciais à saúde ou à integridade física no regime estatutário, facilitando o alcance da aposentadoria ou do abono de permanência antes da vigência da Emenda Constitucional 103/2019.
O julgamento do RE nº. 1.014.286A resultou na fixação da seguinte tese de repercussão geral: “Até a edição da Emenda Constitucional nº 103/2019, o direito à conversão, em tempo comum, do trabalho prestado sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física de servidor público decorre da previsão de adoção de requisitos e critérios diferenciados para a jubilação daquele enquadrado na hipótese prevista no então vigente inciso III do § 4º do art. 40 da Constituição da República, devendo ser aplicadas as normas do regime geral de previdência social relativas à aposentadoria especial contidas na Lei 8.213/1991 para viabilizar sua concretização enquanto não sobrevier lei complementar disciplinadora da matéria. Após a vigência da EC n.º 103/2019, o direito à conversão em tempo comum, do prestado sob condições especiais pelos servidores obedecerá à legislação complementar dos entes federados, nos termos da competência conferida pelo art. 40, § 4º C, da Constituição da República”.
Após a EC nº. 103/2019, o § 4º-C do art. 40 da Constituição passou a dispor que o ente federado poderá estabelecer por lei complementar idade e tempo de contribuição diferenciados para aposentadoria de servidores cujas atividades sejam exercidas com efetiva exposição a agentes químicos, físicos e biológicos prejudiciais à saúde, ou associação desses agentes, vedada a caracterização por categoria profissional ou ocupação.
Assim, a Emenda manteve o direito à conversão do tempo comum em especial, que desta feita deverá ser disposto em normativa local a ser editada pelos entes federados, tal como operou a legislação federal em relação aos filiados ao RGPS, nos termos do art. 57 da Lei nº. 8.213/91.
Lucas Mendonça Rios
[1] “Aplicam-se ao servidor público, no que couber, as regras do regime geral da previdência social sobre aposentadoria especial de que trata o artigo 40, § 4º, inciso III da Constituição Federal, até a edição de lei complementar específica.”